Naquele dia teve a certeza de não haver nascido.
Ouvia os gritos daquela senhora e tentava a todo custo ter compaixão e compreender o que se passava na cabeça dela.
Amava-a como uma mãe. De fato, acreditava ele que assim o era. E talvez o fosse. Eram muito parecidos.
Mas a idade os tornou tristes e amargos e cada refeição os separava. Nelas as palavras não eram ditas, mas gritadas.
E depois restava a dor e a tristeza.
Ele tinha certeza do amor por aquela mulher. Das suas angústias em fazer o possível para tornar a sua vida melhor e sempre receber o pior dela nessas horas.
Horas de sono perdidas como um dia ela perdeu para ele. Horas que a toda hora o levava a ver se ao dormir estava bem.
Horas que o levava a cada instante checar se comeu, para em ato contínuo ouvir gritos que aquilo não era da conta dela.
Tinha quem dissesse que isso era da idade e que tendia a piorar. E ele temia ser ele o fator de piora.
Nunca quisera fazer valer nela as dores que sempre ela o inflingia.
Mas era intenso e reativo. Não suportava ver as coisas erradas, coisas que eram erradas para ele.
Como também não suportava ser maltratado. Frustava-o. E ele sabia que era difícil.
Mas o que mais o incomodava era o medo de perdê-la. Era a única mãe que conhecera. A mãe que o colocava no colo, fazia cafuné quando as dores de cabeça lancinantes dominavam. A mãe que deixava o prato pronto quando chegava da escola, ou que fazia a comida especial quando chegava de viagem.
Sempre fora o maior foco de preocupação da casa. O garoto problema, o doente, o louco, o mimado. Mas também o filho que sempre procurava, ligava, tentava cuidar a distância.
Pedem-lho que compreenda. Mas muitas vezes, e na maioria delas, a dor é demais. A dor de ser maltratado. A dor de vê-la sofrendo. A dor de sofrer e não poder mais recorrer.
Foi assim aquele dia. E nele teve certeza que não havia nascido.
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