sábado, 17 de dezembro de 2011

O Belo Rapaz

Veja ilustre passageiro/
Que belo tipo lindo e faceiro/
Tens ao seu lado./
Quase morreu, pobre coitado/
Salvou-lhe Rhum Creosotado."

Quem vê aquele belo moço
Não pensa nada além do que passa na superfície.
Quem vê naquele belo moço viço e força,
Não espera nada além de otimismo e alegria.

Não vêem os que vêem a forma externa,
Que o vicejar desaparece a cada centímetro da pele.
E que no fundo, no fundo
Há algo além da imaginação hamletiniana
Há algo a agradar os Augustos anjos da vida.
Há algo alvarento de tão azedo que está.
Há muito de Alvarento nos campos debaixo da pele.

Quero meu Rhum Creosotado!

Sábado, 17 de dezembro de 2011 às 11:51

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Dois pesos e duas medidas

Seu B vale sempre mais que meu A.
Seu Ω vale mais que meu A.
Dois pesos,
Duas medidas.

Seu g vale mais que meu Kg.
Seu pence vale mais que minha £ibra.
Dois pesos,
Duas medidas.

Sua hipótese vale mais que minha tese.
Sua inferência vale mais que meu paradigma.
Dois pesos,
Duas medidas.

Seu 1 vale mais que meu 2.
Sua interpretação vale mais que a minha verdade.
Dois pesos,
Duas medidas.

Tudo isso vale por que meu amor, esse sim, deve valer mais que o seu.
Meu peso,
Minha medida.

Quinta, 17 de novembro de 2011 às 07:42

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Gestos pequenos, gestos gigantes

Fones de ouvido. Compenetrado. Chegou no guichê para recarregar o cartão do metrô:
"Carrega com 50 reais!"
A moça falou: "Bom dia!"
Ele tirou o fone das orelhas:"O quê????"
Ela respondeu: "Eu disse bom dia!"
Engasgou, sem graça, desajeitado respondeu: "Mil perdões! Estava noutro mundo!" - e com um sorriso tímido - "Bom dia pra você também!"
Trocou-se bilhetes e notas.
Na hora de ir embora, a moça do guichê disse: "Tenha um bom dia!"
E ele, já sorridente e de certo modo feliz retrucou: "Obrigado e um ótimo dia para você!!!"
E partiu rumo a gare com um sorriso aliviado com humores mudados, acalmados.

Terça, 18 de outubro de 2011 às 10:18

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Estudo para um samba

Decida você.
De quem é a contradança.
Você veio ao baile acompanhada mas insiste em me tirar pra dançar.

Decida você.
Pra onde vão seus pés.
Quando quem esquenta eles está do seu lado.
E você insiste em calçar minhas meias.

Decida você.
Pra onde vai esse seu amor.
Que beija outra boca
Mas insiste em ouvir palavras da minha.

Decida você,
Pois eu vou dançar com uma boca que me ame.
E beijar pés que me tirem o sono.

Segunda, 26 de setembro de 2011 às 22:44

sábado, 24 de setembro de 2011

Estacionado

Enfiou a mão no bolso da calça jeans que acabara de tirar do armário. No fundo, em frangalhos, uma bola de papel lavada. Abriu e viu que era o bilhete do estacionamento da última vez que saiu com ela.
A lembrança tomou sua alma e a saudades ocupou o pensamento...

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Sorriso de canto de boca

Gustavo adorava encontrá-la com aquele sorriso. Era um sorriso tímido, quase infantil. O lado esquerdo da boca se levantava enquanto o outro se esforçava pra manter a compostura. A isso somava um olhar pra baixo que não encarava, mas quando encontrava os olhos de Gustavo, era de um brilho molhado que dizia: "Te quero."
Nesses encontros, os beijos, os abraços e os gemidos eram muitos. E pouco importava onde estivessem, numa cama, no sofá da sala, no carro em uma garagem. O que importava é que estivessem.
E nesse instante, os dois eram só amor.

Terça, 20 de setembro de 2011 às 09:37

Furacão

Ele apareceu como aparecem todos os furacões, em uma conjunção de pressão, temperatura e movimento dos ventos.
Coloquei o nome de Ana Lucia. Nunca entendi por que furacões são batizados, nem como e nem por que usam nome de mulher.
Quis me levar por várias vezes, mas me agarrei a tudo que era sólido e real. Quando eu achava que tinha ido embora, ele reaparecia e quase me levava. Na verdade, eu queria ir, voar, perder-me.
Mas eu sempre o via preso às nuvens e ao solo e dizia: "Não irá me levar a lugar algum a não ser ao meu fim."
Relutei e lutei.
Um dia ele se foi.
Nesse dia a falta das turbulências que ele causava bateu forte.
Nesse dia, aluguei um veleiro e fui procurá-lo. Se o acharei, não sei. Mas cá estou no barco rumo ao nowhere de alhures.

Terça, 20 de setembro de 2011 às 09:28

sexta-feira, 22 de julho de 2011

A visita

Uma noite, Francisco sentado nos degraus da soleira da porta do casebre onde morava, pitava seu cigarro de palha que acabara de enrolar, sentia ainda o quentor do jantar na bariga quando recebeu a visita da Morte.
Disse ele: "Noite!"
Respondeu a Morte:"Boa noite, José Francisco!"
Estranhando, olhou pra ela e perguntou: "Como vossamercê sabe meu nome se acabei de a conhecê-la?"
Eis que ela responde:"Eu sei o nome de todos e conheço todos. Será que você também não me conhece?"
Coçou a cocuruto e disse:"Ói, pela magreza do corpo, pela brancura da pele e pela feiúra, boa coisa não deve ser. Diga-lá, home, qual o nome que atende?"
Ela disse: "Eu sou a Morte!!!"
O olhos de Francisco arregalaram, era aquilo mesmo que aquela alma penada parecia. A morte!
Mas matuto velho, acostumado com as coisas da vida (e da morte também) perguntou: "De passagem???"
A Morte lhe disse: "Vim aqui por você?"
"Por mim? Pudera. Tô vivinho aqui e cheio de saúde. Agora mesmo acabei de comer um prato de frango com macarrão que ainda tá quente na minha pança!"
"Não vim para levá-lo ainda. Vim somente lhe fazer uma pergunta. Uma vez por ano, me é dado por Deus o direito de contar pra algum ser desta terra o dia e hora da sua morte e eu vim aqui lhe perguntar: 'Você quer saber quando vai morrer?'"
Francisco, pensou, pensou e disse: "Mas de quem me adianta saber o dia da minha morte?"
A Morte lhe disse: "Assim poderá prepará tudo na sua vida, deixar as coisas feitas e fazer o que ainda há de fazer antes de morrer!"
"Bah! Que nada! Pouco me interesssa quando vou morrer. Além do mais eu já sei o dia que vou morrer!" - exclamou Francisco.
"Sabe??? Como assim???" Exclamou com espanto a Morte.
"Sei sim. O dia que eu morrer, o sol não vai nascer, não sentirei mais fome, nem sono, as estrelas não brilharão no céu e neste dia você vai estar aqui não pra me fazer perguntas mas pra segurar minha mão e levar. Então, cara conhecida, até lá, viverei cada dia que virá com a fome, o sono, o sol nas costas quando capino e o medo do escuro! Mas sei que a cada dia sentirei saudades, amarei minha esposa, verei meu filhos crescerem. Um dia de cada vez. Pois Jesus disse: 'Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã; porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal.'"




Sexta, 22 de julho de 2011 às 11:39


sexta-feira, 15 de julho de 2011

Timoneiro

Diziam que foi uma senhora judia que ensinou Ismael a navegar nas tormentas. Ela lhe disse que a turbulência não cessaria nunca. Que o importante era ter a tempestade sempre em mente e se ater ao que fazer no momento exato. Não se prender ao que deveria ter sido feito ou ao que deveria fazer dali a segundos. E que nunca existe um "ter que" fazer na vida de navegante. Só o "poder ser."
Só se sabe que embarcou no Pequod e nunca mais foi visto.

Sexta, 15 de julho de 2011 às 20:56

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Osvaldo

Osvaldo saiu da toca assustado. Naqueles dias de inverno não saia muito de lá. Especialmente depois de todos os sustos que levou. Da loba que levou seus filhotes. Do mão pelada que roubou suas cenouras. Osvaldo, que um dia era corajoso, hoje morria de medo de sair.
Mas naquela noite se aventurou. O ar estava fresco e a temperatura agradável.
"Foi um bom passeio." - pensou o esquilo quando tornava para a toca.
Mas no caminho de casa, o grito sofrido de um corvo o entristeceu e sentiu mais solidão.
E o pior ainda estava para acontecer quando encontrou em sua casa a Raposa esperando.
Eis que ela disse: "Já fizeste seu passeio, agora o jantar é meu."
O coração de Osvaldo disparou e não conseguia respirar. Pôs-se a chorar. Não entendia por que não podia ousar ter um minuto de paz.
E a Raposa, com os dentes pontudos e brilhantes disse: "É tudo simples, eu sou o predador e você, caro esquilo, é o meu jantar."
Fugiu por todos os lados até cansar. A raposa era mais forte e poderosa e o encurralou. A Osvaldo só restou se esconder, fechar os olhos e esperar o fim.
Esperou, esperou, até que adormeceu.
E sonhou com o corvo triste que não pode ajudar e com a Raposa que o perseguia.
Mas acordou pensando no Texugo que teria que enfrentar naquela manhã.
Se sentiu menor e quis voltar a dormir.
Não conseguiu pois na sua cabeça martelava a seguinte frase: "Quem nasce pra presa, nunca chega a predador."

Quarta, 13 de julho de 2011 às 00:37

domingo, 22 de maio de 2011

Pourri

Não sou mais que carne podre,
E ver carne da minha carne fresca prosseguir,
Sentir
Que todo o tempo do mundo é pouco pra tanto.

Sábado, 22 de maio de 2010 às 11:01

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Stormy weather

Cansado.
A voz monotônica do vizinho se juntava ao calor do ar condicionado que funcionava mal.
As dores lentamente passavam sob efeito de um coquetel de remédios que me dopavam. As letras na tela do computador escorriam parecendo uma chuva de miojo recém cozido.
E no horizonte, as nuvens de uma tempestade que se avizinhava vem se juntar as gotas de um velho furacão que insistiu em voltar aos meus olhos.

É bom estar vivo.

É odioso estar vivo.

Terça, 18 de janeiro de 2011 às 17:29 ·