segunda-feira, 27 de maio de 2013

Certeira

Queria descansar.Cansaço daqueles fortes.
Daqueles que domina o corpo e a mente.
Cansaço da vida.

Acordar logo cedo na cama de colchão de espuma,
Correr ordenhar a vaca pra tirar um mijo de leite.
Depois tomar com café e cavaca de uma semana.
O milho nem rendia mais nem pra vaca comer.

Olhava praquele pedaço de chão vazio de gente e de animal.
Era ele e a vaca.O bezerro morrera atacado por cobra.
O cachorro de calazar
As galinhas e o galo ele comeu.
Só restava o cerrado e uma plantação mirrada de milho e mandioca.

Ah! De companhia ele tinha a Certeira, cartucheira que não tirava do ombro quando embrenhava no mato.
Proteção e companhia.
Era isso que ela lhe dava.

Era uma cartucheira que ganhara do seu pai.
Seu Joãozinho, seu pai garantia que ela já tinha posto pra correr de Prestes a Virgulino.
Com ela conseguira muito de comer e deu muito de comer a Dalva e seus dois filhos, Cinira e Naércio.
Mas todos eles já se foram e a falta deles só fazia aumentar o cansaço.

Dalva morreu de uma bicheira que pegou bebendo água de poça de seca. Era nova ainda e as crianças tudo bebê. Viu os olhos castanhos dela avermelhar e até correr lágrima de sangue. Dalva suou sangue 3 dias depois morreu.Ficara sozinho ele com os dois barrigudinhos.

Cinira com 10 e Naércio com 7 anos de idade.
Tentou de um tudo pra educar as crianças mas sem a mãe, Francisco conseguia pouco. Dalva ao menos sabia ler e escrever. Ele só sabia de roça e gado. Nada de criança.

Quando lembra disso, Francisco que era Francisco por conta do santo, sente o cansaço.
Mas num era devoto de santo algum.
Nem de Deus.
Dizia sempre pra quem quisesse ouvir que se Deus fosse pai verdadeiro não deixava filho sofrer e nem morrer na cruz.
Maldizia o deus que lhe tirara a mulher e os filho.

Aos quatorze, Cinira, talvez cansada também foi embora pra cidade grande trabalhar em casa de família. A última notícia que tivera dela é que virara moça-donzela num bar de má reputação. Não a via fazia 10 anos. Se não fosse a lida, a falta de dinheiro, o cansaço que já começara, teria ido atrás. Há dois anos perdeu Naércio prasquelas pedras que come a alma e embranquiça os olhos. Que faz do menino, do homem, da mulher, escravos semi-mortos que vagam pela cidade, roubando, matando e morrendo. Lembrar disso tudo aumentou a canseira.

Aquilo lhe cansou mais ainda...mas tinha que correr atrás da vida pra sobreviver.
Naquele dia não tinha nem milho, nem arroz, nem feijão.
Tinha dois cartuchos no bolso.
Resolveu sair atrás de caça pra descansar a barriga, já que o coração e a alma conseguia não.
Pegou a certeira, o chapéu, a alpercata, passou a tramela na porta e se meteu no meio da secura quente do fim de tarde pra ver se achava uma preá.
Sempre tivera olhos bons, mesmo com a idade, sabia seguir rastro de preá, mas o cansaço não permitia muita distância.
Loguinho, loguinho avistou no chão as marquinhas dos dedos da preá na areia terrosa meio fofa do cerradão. Lembrou que já era hora de voltar e que as preá sempre voltam pelo caminho que foram.
Ajeitou o saco de estopa que lhe servia de camisa para servir de arapuca e ficou na paquera.
O sol do horizonte ia sumindo mas ainda ardia nos olhos...
Os barulhos ao redor sempre diziam alguma coisa, mas o cansaço tapou seu ouvido, só consegui ouvir a voz de Dalva cantando pros meninos.
Ouvindo acantiga, começou a dançar e a esquecer da dor e da preá.
Dançou e dançou, até trançar a perna e acordar pra fome, pra dor e pro cansaço.
Foi justinho na hora que viu a preá passando correndo num carreirinho com mais umas outras 8 preás atrás...corrreu pra ver se consegui rearmar a arapuca.
Daí atinou que 8 preá correndo assim do nada é sinal de animal grande por perto. Pensou em onça ou de até outro caçador.
Onça não aparecia naquelas bandas fazia uns 8 anos. Tiãozinho, seu vizinho matou a última a facada. Tá certo que foi embora com ela também. A diaba emboscou ele e ele só tinha a faca. Pelo menos não foi sozinho.
De qualquer maneira armou a Certeira e apertou os olhos por que a noite do sol já se ia e mal via o que vinha.
Foi a hora que ele viu um bicho preto, grande que nem bugio. Sentiu nos lábios o gosto do último bugio que tinha comido e encheu a boca de água. Não pensou duas vezes. Fez mira, aquietou e ponteou. PAM!!
Dai ouviu um grito que não era de macaco mas era de bicho homem.
Não sabia o que faria, se tinha matado um homem, o que faria?
Mas ainda assim correu pra ajudar.
Foi lá quando chegando perto, mais pertico que percebeu que era um rapaz, jovem, magro...com os olhos brancos, os olhos brancos de Naércio.
Ele se confundiu. O que Naércio fazia por aquelas bandas? Correu e o pegou no colo, e falou:
“Naércio, meu filho, o que eu fiz?”
“Fez nada, pai, não. Besta fui eu que vim fazer surpresa prum homem solitário que vive caçando.”
“Não fale filho, vou te levar pra casa, vamos ver esse machucado.”
“Pai, a casa tá longe, você não vai me aguentá!!!”
“Cale essa boca!!! Sou home forte e vou cuidar de você. O que ocê veio fazer aqui?”
“Vim ver meu pai e contar que estou livre daquela porcaria que tirava a minha vontade. Agora minha vontade é do Senhor Jesus. Tô livre pai, sou mais viciado, não. Não carece mais de ter vergonha de eu.”

Nessa hora uma gorfada de sangue saiu da sua boca e voou no peito de Francisco. E Naércio desmaiou de morto.

domingo, 26 de maio de 2013

De esguelha

Pobrezinha, sofria de estrabismo egóico. 
Os olhos só apontavam para o próprio umbigo.