sábado, 1 de agosto de 2015

Setenta e nove

Falta-me menos de um ano para meio século. A ti faltaria um ano para os oitenta. Não sei quais palavras lhe diria. Nem sei se ainda conversaríamos, pois somos muito parecidos. Eu hoje, você ontem. E que as parecenças mais afastam que atraem, dizem por aí.

Não sei se poderia imaginar um diálogo com você, mas por aqui, na escrita, podemos tudo.

"Oi, filhão!"
"Oi, paizão. O que conta? Tem conseguido descansar?"
"É, estão sendo bom comigo! Mas sinto falta de vocês."
"Nós nunca te esquecemos. Como poderia ser se até seus netos são parecidos com você?"
"Tenho visto. O Thiago tá enorme. E o Rafa parece muito a mãe deles. 
E a Tata? Ela me parece muito cansada. Fale pra ela que mandei descansar, se não volto pra puxar o pé dela."
"Hahaha, você sempre ameaçou fazer isso. Nunca fez. Por mais que a gente esperasse."
"É que pras bandas de cá não tem disso. É tudo história pra assustar crianças."
"Ou deixar adultos esperançosos..."
"E a Nanda? Pelo que sempre vejo, aquela pequena não para."
"Poxa, todos nós herdamos pelo menos alguma coisa de você."
"Realmente, suas orelhas e nariz são iguaizinhos aos meus"
Torço o nariz e lhe dou um soco no ombro. 
"É bom saber que você não perdeu o humor, pai. Tem aprontado muito por lá? Já pôs curto circuito em tudo por lá?"
"De vez em quando roubo as chaves de Pedro e escondo. Ele fica louco. Mas sempre acha.
E você, filho? Sempre me preocupei com você. Achei maravilhoso quando entrou pra trabalhar com livros. Era de fato o seu mundo. Mas a vida não tem sido boa para você, não é?!?"
"Um probleminha aqui, outro acolá, mas nada para se preocupar."
"Olha, sempre tive dificuldade de conversar com você abertamente, mas não menospreze a minha inteligência. Eu observo. Eu sei."
"Deixa isso pra lá, você nunca me disse também que seria fácil, embora tenha tentado muito me poupar."
"Mas filhão, você tem que se olhar mais, cuidar mais de você. Não deixe que te atinjam como me atingiram. Afinal você tem que cuidar daquela menina linda que você me deu como neta. Como ela tá linda!!! É, filho, sinto lhe informar, mas você se fudeu. Vai dar trabalho."
"Já dá, mesmo estando longe. Ela iria adorar você. E você iria precisar de mais energia do que teve com a gente. Sabe, pai, ela é feliz. Da maneira dela, mas muito feliz e alegre."
"Eu sei, eu vejo. Ela é uma luz, e junto com os ruivos, tem o poder de tirar essa dor de dentro de vocês."
Sorrio por entre as lágrimas. 
"Bom, tenho que voltar. Estão me chamando e eu tenho um compromisso."
"Mas não vai perguntar da mamãe? Não que saber dela?"
"O que você acha que é esse compromisso? Tenho que me preparar, estar perfumado e elegante pra quando aquela morena chegar. Dela sei mais que você."
Então me aperta os ombros com suas mãos gigantescas e diz olhando nos meus olhos:
"Otavio, se permita ser feliz. Você não teve culpa de nada e está há muito tempo tentando se redimir. Fale isso pras suas irmãs também. Estou bem."
E me beijou como só um pai sabe beijar um filho. 
"Te amo, pai."
"Eu também, filhote. Até!"

sexta-feira, 31 de julho de 2015

Verde

Sabe, moço, o que é esperança?
É um bichinho verde, que vive avoando por aí.
Mas sabe porque chama esperança?
É porque dizem que verde é a cor da esperança.
E sabe porque verde é a cor da esperança?
É porque é a cor dos olhos de todos os homens.
Mas por que seria a cor dos olhos de todos os homens?
Magina que um dia o mundo nunca que foi assim cinza desse jeito que é por essas cidadonas aí afora. Os homens viviam nas floresta, nas mata, De caçar e pescar. De comer da raiz e da fruta. Qual é a cor que ele mais via? Diga lá? Sei, sei, é claro que era o verde. O verde dava vida pros nossos pais e isso fazia feliz a vida deles. Em paz, sem carecer de brigar.


Bote reparo.de como tudo para quando está diante de um verde muito forte. E, além do mais, aprendemos nas escola que é no verde que começa a vida. Bom, sei lá, nunca fui muito de estudar. Mas só sei o que me foi contado pelo meu pai que ouviu do meu avô que era um homem que viveu a vida inteirinha no mato e aprendeu coisas que o homem não sabe.

Por isso recomendo ao sinhô, que uma vezinha por semana, coloque um lenço verde no bolso, no pescoço, no chapéu. Vista seu peito com a sua camisa verde mais linda. Ela pode não resolver os problemas trás dentro do corpo, mas vai com toda certeza que os céus podem garantir, lhe trazer paz e esperança.

Pode confiá nesse homem véio que já viu de todo tipo de cor e que procura nas paredes cinzas dessa cidade pintá-la de verde.


Doida escovada

"Eu te conheço?
Eu te conheço?
Que intimidade é essa aí?
Eu te conheço?"

Grita na rua
A doida semi-nua. 
Talvez fosse mera loucura
Ou os efeitos da lua. 

Não, não lhe conheço 
E nem lhe tenho intimidade. 
Também não tenho o que mereço,
Além de muita idade.

E urra a mulher ainda:

"Eu te conheço?
Eu te conheço?
Que intimidade é essa aí?
Eu te conheço?"

quinta-feira, 30 de julho de 2015

Rude, o cão

Acabo de ter agora uma das experiências mais estranhas da minha vida. E olha que de estranhezas eu entendo. 

Voltando de uma ida ao banco, encontro um amigo velho que não via há tempos, passeando com seu cachorro, um labrador lindo. Nos cumprimentamos. Mas no momento que me aproximei, o cachorro desatou a latir para mim. Um latir tão alto e descontrolado que deixou meu amigo assustado a ponto de querer ir embora. Nos despedimos a distância prometendo nos falar pelas redes da vida. 

Quando começou a partir, o cão empacou, olhava para mim e latia, latia querendo vir na minha direção. Não parecia bravo. Parecia que queria algo de mim. 

Falei pro meu amigo para voltar com o bicho, sentei na calçada, e olhei nos seus olhos. 
Nesse momento ele parou de latir e chegou mais perto. Passei minha mão atrás da sua orelha e acarinhei. Nesse instante começou a ganir empurrando minha mão. Estava estranho e, num momento de distração, puxou a guia e pulou em mim e começou a me lamber. Nunca o tinha visto na vida, mas parecia saudoso, triste como não quisesse me deixar ir. Lambeu-me o rosto todo (odeio quando cachorro faz isso) e colocou a pata na minha cara como querendo me consolar, brincar. Foi então que eu percebi o que estava acontecendo. 

Já havia lido artigos científicos que diziam que certos cães percebem variações nas proteínas exaladas pelo odor. Então entendi que Rude, o labrador, havia visto em mim. O que nenhum artigo mencionava era a imediata percepção da doença e a empatia do animal. 

Desatei a chorar, mais que criança, e mais lambidas e mais ganidos. E meu amigo ali sem entender nada. Foram minutos de choros, ganidos e lambança. Sentamos na escadaria da porta do meu prédio e contei o que se passava. Expliquei o motivo da bengala e porque não ia incomoda-lo com as minhas agruras. Mais um tanto de choro e abraços caninos e humanos. 

Nos despedimos prometendo nos ver semana que vem, eu, Flavio e Rude. Um tchau triste e solidário nos separou. 

Foi um jorro de carinho ao qual não estava preparado. Foi bom, mas doeu. Em menos de uma hora recebi de um animal mais carinho e consideração que de pessoas que conheço todo uma vida ou que tive intimidade. 

Obrigado, Rude, por ser mais que humano.

Blue Moon

Como pensar, amor meu,
Que nunca mais te poderei olhar?
Como conceber, caminho meu
Não mais das tuas bocas beber?
Como imaginar
Um momento sem meu pensamento em ti?

Não, não roubarão de mim ao menos a lembrança 
Da luz na tua pele branca que
Refletia a lua e todas as constelações.

terça-feira, 28 de julho de 2015

Humano, demasiado humano.

H(á os) que perguntam 
"Como você está?"
E não querem a resposta. 

H(á os) que dizem
"Queriam tanto ajudar, só não sei como!"
E depois contam suas próprias mazelas. 

H(á os) que o procuram 
Talvez para saber se já morreu,
E falam nada e nada deixam. 

H(á os) que falam 
"Mas você está com um aspecto tão bom."
Com o olhar de quem espera um desmorto putrefato. 

H(á os) que nada falam 
Se limitam a menear a cabeça 
E dar um sorriso amargo. 

H(á os) que somem, desaparecem. 
Quando o encontram falam 
"Estava tão preocupado com você!"

H(á os) que simplesmente ignoram 
E não te procuram
Não importa o quão íntimo foram. 

H(á os) que dizem palavras bonitas 
Onde você sente a repetição de um mantra
Um mantra do medo. 

H(á os) que dizem palavra de estímulos
Em que você nitidamente ouve
"Ainda bem que não é comigo"

H(á os) que fazem por dó
H(á os) que fazem por pena 
H(á os) que fazem por descargo da consciência. 

H(á os) que nada sabem, nem querem saber. 
E, claro, 
H(á os) que não estão nem aí. 

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Mas...
H(á os) que são diferentes, um tipo especial. 

Dos que lhe dão a mão, o ouvido, a voz. 
Dos que estão ali, sem dó nem piedade, e falam o que precisa ouvir. 
Dos que estão com sorriso e amor nos olhos, sem esperar nada. 
Dos que te olham nos olhos e dizem "Puta que merda!!!"
Dos que lhe perguntam se precisa de algo. 
Dos que lhe trazem aveia e mel, maná necessário para aquecer o corpo e a alma. 
Dos que não perguntam o óbvio. 
Dos que não telefonam por saber que  talvez precise de quietude. 
Dos que o chamam por saber da alma ferida.
Dos que lhe trazem remédios. 
Dos que lhe dão abraços. 
Dos que cuidam. 

Dos que não lhe dão nada
Só estão ali, para o que der e vier